sábado, 3 de janeiro de 2009

O Enterro das Ideologias

A Globalização não trouxe só internet, cinema "hollywoodesco", comida uniformizada e o velho "politicamente correcto" - trouxe acima de tudo a morte (ou, na melhor das hipóteses, o definhamento) das ideologias ou sistemas de pensamento.

Pode parecer ingrato dizer isto se pensarmos que foram os portugueses que iniciaram este movimento de aproximação dos povos da terra, há cerca de 600 anos atrás ...

Não sou contra a Globalização (enquanto aproximação dos povos)! Sou contra - isso sim - a preguiça intelectual, o "encarneiramento", as soluções empacotadas e prontas a consumir. O excesso de materialismo e aparato ("o verniz postiço" de que falava Eça, nas bocas de João da Ega e Carlos da Maia, nos "Maias") leva - na minha modesta opinião - ao afastamento do mundo intelectual e à percepção da verdadeira natureza das coisas.

Pensemos na política portuguesa e nos "ideários" dos nossos partidos: o que separa, hoje, verdadeiramente, PSD e PS? Os portugueses não conseguem distinguir a prática porque os partidos não se esforçam por começar por explicar as diferenças teóricas ... Apenas os lugares, as prebendas, as honrarias e os vulgarmente conhecidos "tachos" parecem interessar ...

Se perguntarmos aos militantes (que deveriam ser à partida os mais conhecedores e melhor informados) de PS e PSD por que razão recaiu a sua opção num ou outro partido, que resposta(s) obteremos? Creio que apenas uma minoria (infelizmente) saberá que, por exemplo, o PSD procura conciliar um pensamento humanista e personalista com um certo progresso social e económico ... E que o PS procura aliar uma sociedade com menos desigualdades à defesa de um ideário democrático? Creio que não (mas oxalá que sim) ...

Se desejam aprofundar as vossas leituras sobre esta área da História das Ideias Políticas em Portugal, deixem-me recomendar alguns nomes e/ou obras: Jaime Nogueira Pinto ("A Direita e as Direitas", DIFEL), José Pacheco Pereira (Biografia política de Álvaro Cunhal e estudos sobre o comunismo actualizados no blog "Abrupto"), João Carlos Espada (artigos no "Expresso"), António Barreto (artigos no "Público") e José Adelino Maltez (artigos no "Diabo" e "Repertório do Pensamento Político Português").

2 comentários:

  1. Ao contrário do que parece as “Ideologias” não morreram, nem o mundo as pode dispensar.
    O que tem acontecido é que os partidos políticos, na sua maioria – e não só em Portugal –, abandonaram a reflexão e a praxis ideológica. Fizeram-no nuns casos por pseudo-pragmatismo, noutros por ignorância pura e simples e os demais cumulativamente.
    Este abandono paulatino da “Ideologia” em contextos partidários é uma das razões da “crise”, sobretudo da chamada crise de cidadania. Ao não serem substancialmente diferente uns dos outros, ao circunstancialmente introduzirem umas pseudo-diferenças assentes em mera demagogia, os partidos políticos perante os factos e as circunstâncias têm uma resposta demasiado parecida que não traduzem qualquer alternativa do ponto de vista da construção social e as pessoas afastam-se. Esta realidade é ainda mais real em países onde o sistema eleitoral é o chamado “maioritário”, engenharia que conduz normalmente ao bi-partidismo fáctico, em que a necessidade permanente da conquista do “centro” ainda esbate mais as diferenças.
    Mas o facto de as “Ideologias” estarem subalternizadas pelas instituições de poder, não significa o seu óbito. Bem pelo contrário: pode até mesmo significar a sua imposição intelectualmente violenta nos contextos relacionais extra-institucionais. A descrença acentuada pode ser um bom trampolim para a fé, nomeadamente a fé ideológica.
    A crise económica-financeira que hoje contamina o planeta é o resultado prático de uma ideologia que se foi fortalecendo, nomeadamente, pela negação da importância ideológica como factor de mercado. Falo, obviamente, do capitalismo neo-liberal, que do ponto de vista do seu processo de sedimentação parte, aparentemente, da economia para a política, e não vice-versa que é o percurso normal das “Ideologias”.
    O capitalismo neo-liberal não se sustentou apenas em pressupostos económicos perante o “Mercado”. Lentamente começou a criar matrizes de pensamento e a absorver postulados neo-conservadores e até mesmo facetas religiosas de índole evangélica, e os seus gurus começaram a apoderar-se de importantes lugares de decisão em estruturas tradicionais de poder como, por exemplo e nos EUA, o Partido Republicano.
    A sua falência (que não é a falência do “Capitalismo”) teve o mérito de recuperar o debate ideológico. Debate esse que é, ainda, incipiente e que ainda está na “rua”. Mas é um debate-confronto crescente - pejado porque é recente de muitas confusões, mas aí está.
    Esse debate, mais cedo ou mais tarde, vai-se tornar importante em Portugal, quer os partidos políticos queiram ou não. É um processo inevitável e muito provavelmente o único capaz de ser regenerador.

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  2. Caro Amigo

    Antes de mais, seja bem vindo a este espaço que se orgulha de o receber! Obrigado pelo seu comentário e pela sua intervenção sustentada e lúcida neste blog.

    Concordo consigo quando diz que as ideologias são necessárias - eu diria que são, mesmo, fundamentais. Mas parece-me que uma boa parte dos nossos concidadãos as tem vindo a dispensar ... Não sei se pelo facto da mensagem política estar demasiado impregnada de alguma "verborrei inútil" (e o ruído acaba por afastar os cidadãos da compreensão da mensagem) ou se por faltar - e acredito que sim - muita massa cinzenta nas secções, nas distritais e em todas as estruturas partidárias em geral.

    Creio que este "divórcio" entre cidadãos e ideologias é circunstancial (espero que seja ...), mas creio que plataformas como esta poderão ajudar a aplacar o fosso ...

    Até porque temos neste momento na ribalta política um "pragmático" - o senhor José Pinto de Sousa - completamente esvaziado de qualquer "ideia" para Portugal ...

    Inventem-se novos políticos e novos cidadãos (que o sejam de facto)

    Um grande abraço

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